quarta-feira, 2 de março de 2011

Oração do publicitário desesperado…por André Gomes

Senhor,

Dê-me força para suportar a insistência dos novos clientes. Aqueles que acreditam que gosto e crase não se discute. E que rezam todas as noites sobraçando os manuais da faculdade como verdadeiros evangelhos anteriores à própria criação do universo e das agências de propaganda.

Abrande com seu sopro misericordioso a catinga ácida da pretensão e do mau hálito dos executivos que assassinam o idioma maltratando as palavras em campos de concentração tamanho A4 para depois acusar nossos textos enxutos de “fraquinhos”.

Ajude-me a não vomitar quando eu fingir achar graça de uma piada medonha daquele gerente de marketing que usa esmalte incolor e deixa crescer a unha do mindinho.

Abençoe este seu filho com a clarividência necessária para decifrar os briefings dos atendimentos distraídos.

Aumente minha paciência a cada novo pedido para “crescer” o logo do cliente.

Livre-me da fofoca, do “nada para amanhã” e do “tudo para ontem”. Dos atropelos do tráfego, do chefe bafejando no cangote, das surras de paus de arquivos e dos descontos no contra-cheque.

Acalme os ânimos dos ponteiros, sobretudo nas horas de aperto, nos minutos de pânico e nos segundos de desespero. O Senhor é justo, mas os nossos prazos…

Se puder me emprestar um pouquinho de sua onipresença para que eu possa assoviar e chupar cana ao mesmo tempo, também será bom.

Reserve-me a saúde possível antes que meu estômago sucumba a essa dieta diária de pizza de mussarela depois das nove e meia da noite.

E se acaso eu sentir o peso do mundo nos ombros, abra-me os olhos e o coração para mirar o céu cravejado de estrelas que a moça mais linda leva em suas costas repletas de pintas.

Ilumine as secretárias e os horários dos manda-chuvas das grandes agências, para que eu seja recebido ao menos uma, duas, quem sabe três vezes por semana para tomar um café e pedir um emprego em que se ganhe mais para se criar melhor.

Por favor, proteja meu portfólio da brisa gelada do ar-condicionado quando ele for obrigado a passar noites esquecido atrás da mesa dos diretores de criação, esperando por atenção e interesse.

E quando eu estiver ganhando bem e surgir um erro de proporções desastrosas, desses que envolvem o dinheiro do cliente, e a culpa cair sobre mim, faça-me acertar na loto no dia seguinte.

Assim na terra como em uma grande agência.

Amém.

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